Literatura: vereda interdisciplinar e multicultural

Desdobramentos do II ENALE

Texto do professor Ivan Marques, palestrante do II ENALE, sobre sua viagem a Humaitá. Este texto foi publicado originalmente no site da Revista Emilia, uma revista digital sobre leitura e literatura para crianças e jovens.

Notas de um aprendiz

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Relato de uma experiência acadêmica no interior do Amazonas que se tornou uma breve aventura modernista
março 2012
POR Ivan Marques

Mário de Andrade chegou de barco a Humaitá num dia 7 de julho, às 18 horas, já escurecendo — “Humaitá escuríssima, mas uma simpatia”, registrou em seu diário. Tinha havido um problema na eletricidade local, e a “cidadinha” estava às escuras. A ilustre comitiva de paulistas, da qual também fazia parte dona Olívia Guedes Penteado, grande incentivadora do movimento modernista, foi recebida de modo improvisado, com gente carregando lampiões — “uma gostosura”, sintetizou o escritor. Essa primeira viagem ao Norte e ao Nordeste se estendeu por três meses, de maio a agosto de 1927, e rendeu um grosso volume de anotações, mais tarde incluídas no livro O turista aprendiz. Trata-se de uma experiência decisiva na trajetória do intelectual modernista, que até então só conhecia o Brasil por meio de leituras e tinha a respeito do país, conforme se lê em Macunaíma, uma imagem forjada no gabinete.
Estive em Humaitá em outubro de 2011 para participar do Encontro Nacional de Leituras, no campus da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). A proposta do primeiro ENALE, em 2009, foi discutir “as práticas leitoras em nossa sociedade e os desafios que se impõem aos educadores do século XXI”. Já essa segunda edição propõe a reflexão sobre aspectos da criação e da crítica literária ligados à interdisciplinaridade e à multiculturalidade.

Quando recebi o convite do professor Marcos Scheffel, fiquei surpreso e indeciso. Consultei o Google Maps e vi a impressionante imagem da cidade situada à beira do rio Madeira, um espaço de ocupação rarefeita (a população é de 40 mil habitantes), com poucas casas além da concentração principal. Valeria a pena enfrentar um voo de seis horas, com conexão até Porto Velho, depois mais três horas de Transamazônica até chegar num “interior bravo”, onde é difícil crer que possa existir uma universidade? O programa é de índio, me disse um colega com larga experiência em viagens. “Mas de índio culto, com background antropológico e intelectualmente flexível. São essas oportunidades que nos ensinam o que é Brasil. O resto é bibliografia.”

Na semana da viagem, escrevi no Facebook: “A dois passos de um passeio pelo interior do Amazonas. Será curioso falar de Drummond às margens do rio Madeira. Dos insetos não vou escapar, mas espero estar a salvo dos jacarés. Se for preciso, mando chamar a Cobra Norato.” Aprendi com os amigos que jacarés são frios e mansos, sendo possível até dormir ao lado deles, e que até mesmo onças podem ser bichos afáveis. Contra os insetos, indicaram-me repelentes, dosséis, celulares sonoros e até talco com enxofre para repelir os carrapatos invisíveis. Entre os insetos mais temíveis foram citados o “forró de teclados”, o “capitão do arrocha” e “o bom de farra”. E alguém lembrou que, para chamar Cobra Norato, eu teria que trocar de poeta. Minha proteção deveria ser o “áporo” — o inseto que cava “sem alarme” no famoso poema de A rosa do povo.

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Chego de avião e contemplo a capital de Rondônia, transformada em canteiro de obras. A cidade me parece áspera e abafada só pela fisionomia terrosa dos prédios, das ruas e das águas do Madeira. Vou de ônibus para Humaitá. Para atravessar o rio, uma hora de espera na balsa. “Capaz de cair um toró”, lembro a canção de Chico Buarque. Mas só depois, na estrada, é que a chuva aparece. Os poemas e as crônicas de Drummond me ajudam a passar o tempo. Leio “Delícias de Manaus”, do livro Fala, amendoeira, e me ponho a fantasiar as comidas e os pratos mencionados pelas duas amazonenses da crônica: tucumã, caxiri, pupunha, jacundá, tucupi, pirarucu, tambaqui, maniçoba… Seria um prazer escutar uma conversa amazônica nesse trajeto até Humaitá. Mas o único ruído é o dos rádios e aparelhos sonoros. No dia seguinte eu registraria no Facebook essa primeira impressão de viagem: “Estrada reta, pilhas de madeira, mato queimado, pele tostada, sol e chuva. Dentro do ônibus, várias versões simultâneas de tecnobrega. Às vezes entra água pela janela. Brasil, bye, bye.”

Desembarco em Humaitá exatamente às 18 horas, a cidade escurecendo, tal como no relato de Mário de Andrade. Sou o primeiro a chegar entre os convidados do evento, que só começa na segunda-feira.

Manaus Ivan

Depois de um breve descanso no hotel, saio em direção a um restaurante distante do centro, mas reputado como o melhor da cidade. Agora a noite está bem mais densa e profunda, enquanto caminho por essa rua deserta. Podia ter chamado um táxi (dez reais, não importa o trajeto), mas achei que venceria facilmente as quatro ou cinco quadras. Não contava que fossem quadras gigantes e que a iluminação pública parasse de funcionar cedo. Disseram-me no hotel que não havia risco de violência, mas deparo com uma cadeia, e o guarda sem uniforme me lança um olhar acintoso. Com breves intervalos, os postes de luz vão se apagando. De todos os lados, ouço vozes de bichos que parecem chamar o incauto transeunte. Lembro da imagem vista na internet, as casas perdidas no meio do matagal. Não vejo uma viva alma na rua. O perigo maior são os animais, penso ao ver um gato cruzar rapidamente a rua. Em certos momentos os zumbidos, guinchos e grugulejos aumentam enfezadamente, como se a legião de bichos quisesse atrair à força o visitante para seus domínios. Estou em plena floresta e encho o peito de ar. Como a fome aperta, sigo sem olhar para trás.

Manaus Ivan

Domingo de manhã. A “cidadinha” se iluminou. São oito horas, e o sol está radioso. Caminho em direção ao rio e ao centro histórico. Na praça da catedral, algumas poucas crianças, um leitor de jornal, um ciclista… e atrás das árvores o brilho intenso das águas do Madeira. Barulho de máquinas: são os tratores aplainando a orla, em vias de ser urbanizada. Ouço ruídos alegres de grupos que se deslocam na mesma direção, transportando lanches e cadeiras. Ia haver uma festa. A estátua de Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Humaitá, seria transportada a um povoado ribeirinho, onde ficaria instalada por alguns meses, em sistema de rodízio. Dali a dez minutos, partiria o barco lotado de fieis. A informação me foi dada por duas mulheres, que agora insistem para que eu acompanhe a procissão. O padre informa que a procissão passaria por três povoados e que duraria no mínimo três horas. Entro no barco e passeio pelos dois pavimentos. A essa altura já não há lugar disponível, pessoas continuam entrando, o calor só faz aumentar. Imagino três horas naquele desconforto e, pouco antes da partida, resolvo abandonar a embarcação.

Percorro de volta a comprida e trêmula escadinha de madeira. Em O turista aprendiz, Mário de Andrade conta que, provavelmente naquele trecho de rio, vira “pela primeira vez boi subindo escada”. A história é formidável: empurrado por brincadeira do trapiche, “o boi fica nadanadando por ali, meio angustiado, mas da escadaria, puxando a corda que o prende pelas guampas, dirigem o nado do boi até lá. Pois ele vai subindo, com uma facilidade de gente.” Restituído à terra firme, assim como o coitado do boi, passo a observar de cima a partida lenta da procissão, entre apitos e fogos de artifício. Do convés, uma das mulheres faz um último aceno. Sigo adiante, vagaroso, “avaliando o que perdera”.

Manaus Ivan

Visita de fim de tarde ao cemitério Velho, que se encontra em adiantado processo de ruína, na margem esquerda do rio Madeira. Belíssima a cor do crepúsculo caindo sobre a capela e as lápides abandonadas. Pelas frestas do muro, aparece lá embaixo o azul do rio, nesse momento em tons dourados. Entre as sepulturas, está a do comerciante que fundou, em 1890, a freguesia de Humaitá. Em 1927, o comendador Monteiro estava vivo e presente na recepção aos paulistas, oferecendo-lhes, além de “comes e bebes deliciosos”, a oportunidade de assistir ao Boi-Bumbá (vivência aproveitada depois por Mário de Andrade em seus estudos sobre as danças dramáticas brasileiras). “Noitada estupenda, ao luar e à luz dos lampiões”, resume a nota do diário. Naquele momento, já não havia os grandes seringais da época da borracha. Da glória antiga, restou a memória preservada nos prédios públicos e grandes casas residenciais — castelos em que a elite, segundo a lenda, tomava banhos com champanhe e acendia charutos em notas de mil réis. Mas nenhum dos castelos comove tanto como o negror dos jazigos dentro cemitério nascido junto com a cidade e a melancolia das estátuas diante do rio agora roxo, na noite que começa a cair. A “cidadinha” mais uma vez escura, tal como a conheceu Mário de Andrade.
Hora de voltar para casa. Finalmente vou encontrar os participantes do ENALE, chegando de diferentes regiões do país. Novos amigos que ainda não conheço, mas que já me esperam, quase todos instalados no mesmo hotel.

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Foi no Amazonas que surgiu, em 1909, a primeira universidade do Brasil. Após a decadência do ciclo da borracha, a Universidade de Manaus se fragmentou em vários cursos. A UFAM foi fundada em 1962 e, desde 2005, mantém cursos nas cidades de Humaitá, Benjamin Constant, Itacoatiara e Parintins. Em Humaitá também funciona, desde 1996, um campus da Universidade do Amazonas (UEA). Nas duas instituições, é possível estudar letras, pedagogia, ciências econômicas, agronomia e engenharia ambiental, entre outras carreiras.

A abertura do Encontro Nacional de Leituras ocorre, em grande estilo, com a conferência de Willi Bolle, professor de literatura alemã da USP e estudioso das obras de Mário de Andrade e Guimarães Rosa. Depois de dirigir leituras dramáticas de Grande sertão: veredas em Cordisburgo (MG), agora ele finaliza, em Belém, os preparativos de uma encenação da obra do escritor paraense Dalcídio Jurandir. O título da palestra é “Grande sertão: veredas sob o signo dos sete pecados capitais”. Trata-se de uma leitura da temporalidade (a marca do diabo) no romance de Guimarães Rosa — e da paixão demoníaca que o escritor tinha pela linguagem — à luz das ideias do filósofo Vilém Flusser expostas no livro A história do diabo. Willi Bolle é cumprimentado depois não só pela conferência, mas também pela coragem de abordar assunto tão fascinante quanto blasfematório, num auditório onde haveria religiosos de todos os credos.

Nos dias seguintes, os escritores Machado de Assis, Jorge Luis Borges, Raul Brandão são abordados nas palestras de Antônio Marcos Vieira Sanseverino (UFRGS), Cláudio Celso Alano da Cruz (UFSC), Otávio Rios (UEA-Manaus). Roberto Mibielli, professor de Roraima, discute questões relacionadas ao ensino de literatura. Este é um dos principais assuntos das mesas-redondas, ao lado das discussões sobre temas e autores amazonenses como Thiago de Mello, Márcio Souza e Milton Hatoum.

Além de assistir às mesas e palestras do ENALE, os estudantes também frequentam minicursos dados pelos professores convidados. Programação intensa durante os três dias. E de tudo participam todos, pois as distâncias são curtas (do hotel à universidade, apenas três minutos) e há tempo para todas as coisas. Duro foi chegar a Humaitá. A professora Gleidys Maia, da UEA de Parintins, teve que se deslocar até Manaus, tomar um avião até Porto Velho e finalmente enfrentar os 200 quilômetros de estrada. Se viesse de barco, levaria seis dias. Inacreditável que, dentro do Amazonas, as distâncias possam ser maiores e mais difíceis de vencer que as do próprio Brasil. Mais sorte tiveram os paulistas, gaúchos, catarinenses — e as baianas de Feira de Santana, que por sua tez cor de jambo se assemelham às mestiças locais, com a diferença de que as daqui são menos expansivas.

O convívio rapidamente produz intimidade e as conversas ocorrem o tempo inteiro: no café da manhã, com suco de cupuaçu; no intervalo entre as sessões; no café, com tapioca; nos almoços e jantares, com tambaqui, pirarucu e o delicioso molho de tucupi. Conversas sobre tudo: pesquisas, projetos, políticas educacionais, experiências vividas em distintos contextos, casos da região amazônica, costumes de Humaitá etc. Inesquecível o “festival de tambaqui” oferecido por Marcos Scheffel, nosso anfitrião, e sua mulher Carolina Paganine. Inestimável o valor de um encontro universitário que nos coloca em contato com toda uma comunidade. Encontro em que Brasis tão diversos se reúnem num lugar tão brasileiro — tudo isso nos dando, a nós da grande cidade, o que Chico Buarque, em “Bye, bye, Brasil”, chamou de “saudades de roça e sertão”.

Em contraste com a modernização destruidora — de que são mostras, em escalas distintas, as histórias de Manaus e Humaitá, ambas construídas no ciclo da borracha —, encontramos no ritmo vagaroso da Amazônia, nos cheiros e sabores da terra, no caipirismo tão oposto ao cosmopolitismo, os traços de um país primitivo, que desde a década de 20 nos encanta sempre redescobrir. É esse, exatamente, o tema da minha conferência intitulada “O ‘fazendeiro do ar’: Carlos Drummond de Andrade e sua contribuição ao modernismo” — e também das análises de poemas que realizo em duas tardes com cerca de vinte alunos da UFAM. Que desafio falar sobre os impasses do poeta — e especialmente a oposição entre campo e cidade, entre localismo e universalismo — para uma plateia formada em sua maioria por descendentes de índios e caboclos, isolados das áreas centrais, habituados a decifrar o mundo a partir da “vida besta”. Fico admirado com o interesse demonstrado pelos estudantes, três deles já envolvidos em pesquisas sobre a poesia de Drummond. Também me surpreende a intervenção de um professor da cidade que conecta a minha palestra sobre o modernismo drummondiano ao debate acerca das dificuldades do ensino de letras. Ao mobilizar assuntos atuais e de relevância, a conferência, segundo ele, havia mostrado que é possível despertar o interesse pela literatura, sem banalizar as estratégias de leitura ou reproduzir na escola os apelos da massificação cultural. Tomo a sua fala como um reconhecimento da importância sempre renovada das obras e dos estudos literários que não se distanciam do “sentimento do mundo” e que ultrapassam os limites do texto para refletir profundamente sobre a sociedade.

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Quarta-feira, final da manhã. Sol coruscando na hora do passeio pelo rio Madeira. A canção de Chico Buarque volta aos ouvidos no momento em que zarpamos: “Eu vou dar um pulo em Manaus / Aqui tá quarenta e dois graus”… Dentro do barco somos apenas quatro, além do barqueiro franzino e silencioso, que estava pontualmente à nossa espera no lugar marcado, bem em frente ao cemitério, descendo conosco a via estreita pelo barranco e depois a escadinha até o embarcadouro.

Manaus Ivan

Cá embaixo, transcorre uma vida movimentada, com barcos de todos os tamanhos, aves que passam vigilantes, ruídos de vozes e motores. A cidade é uma dádiva do rio, como disse Milton Hatoum, referindo-se ao Rio Negro de Manaus. Em Humaitá, onde tudo é mais tranquilo, o turista que olha de longe mal suspeita de toda essa agitação no nível no rio. Acabamos de deixar o posto de gasolina. Lá no alto ficam para trás as cruzes e as estátuas do tempo da borracha. Num átimo estamos no meio das águas, refrescados pelo vento. Passam por nós canoas apinhadas de pescadores. Em nosso barco os tripulantes quase não conversam e têm apenas olhos — para o rio, os botos, as margens, o verde da floresta. É a “vida de bordo” de que falava Mário de Andrade.

O passeio deveria incluir uma visita à comunidade Paraíso, onde viveu durante quatro anos o escritor português Ferreira de Castro. Seu romance A selva, publicado em 1930 e adaptado para o cinema, mostra as relações sociais na Amazônia do início do século XX e a penúria dos seringueiros, trabalhando em regime quase escravo, sob a ameaça constante dos índios e das onças. Não será possível, porém, chegar ao seringal de Ferreira de Castro. Conheceremos outros povoados — os mesmos visitados no domingo pela procissão de Nossa Senhora da Conceição. Em São Miguel, a sujeira da festa ainda está bem visível no gramado. Calor insuportável dentro das construções de madeira. Ao longe, bandos de curumins descem o barranco para tomar o barco que os levará às escolas da cidade. Descem sob o sol, apressando o passo, fugindo dos visitantes. Apenas os homens entram em contato conosco. Em cada povoado, para cumprir as honras da casa, subitamente surge de entre as árvores um humilde chefe de família, disposto a responder perguntas sobre a comunidade. A respeito do escritor português, só os mais velhos sabem contar alguma coisa. Somos informados de que só embarcações pequenas poderiam atravessar o igarapé no caminho do seringal.

Não vimos o “paraíso” de Ferreira de Castro (eldorado? “inferno verde”?), mas conhecemos descendentes dos seringueiros daquele tempo, caboclos embrutecidos, tão pequenos diante da imensidão da paisagem. Não há dúvida de que são também ágeis e fortes, como esse barqueiro que agora nos conduz de volta. Duas horas da tarde. Eis que a cidade reaparece embaixo de nuvens, a catedral cada vez mais próxima, crescendo no centro do quadro. Era uma simples capela, mas inflou-se com o látex e já estava reformada na inauguração de Humaitá. Mário de Andrade a conheceu. Contemplo a cidade do mesmo ponto a partir do qual ele a viu pela primeira vez, chegando de longa viagem.

Não vi uma festa como o Boi-Bumbá que o comendador Monteiro preparou em 1927 para a comitiva paulista. Também não conheci, é claro, o prefeito Sérgio Olindense, cujo discurso de recepção causou surpresa a Mário de Andrade. Em vez de celebrar dona Olívia, a“rainha do café”, o prefeito dirigiu suas palavras ao autor do Clã do jabuti, num grande elogio a seus “modernismos e literaturas”. Sérgio também era poeta e viria a manter correspondência com Mário. Inacreditável a rápida expansão das ideias modernistas pelo Brasil. Incredibilíssimo que Humaitá, na década de 20, fosse governada por um poeta modernista.

Manaus Ivan

Retorno ao aeroporto de Porto Velho, depois de cinco dias. Dentro do carro, penso que ainda espero poder fazer, como Mário, uma viagem “grandota” pela região amazônica. Ao longo da estrada, observo mais uma vez a estrada reta e os campos desmatados. Bye, bye, Brasil, a última ficha caiu… Uma comprida viagem pelo país cada vez mais aculturado e destruído, tão diferente do que foi visto pelo turista aprendiz. Escritores como Mário de Andrade e Guimarães Rosa falam para todas as regiões, contêm todo o Brasil, é o comentário que faço com o professor Cláudio Alano, de Santa Catarina. “Drummond também”, afirma meu companheiro de viagem. E depois acrescenta: “Você tinha razão naquele comentário sobre a ‘vida besta’… É besta, mas pode ser bom…” É isso mesmo, Humaitá. E o nosso modernismo teve a grandeza de querer abraçar e dar a ver tudo isso.

Não vi o boi na escada e nem o Boi-Bumbá. Mas tive a sorte de também não deparar com jacarés e nem ser aporrinhado por insetos. Não conheci o prefeito-poeta, fonte de informações sobre a cultura popular amazônica. Posso dizer, porém, que tive um encontro fabuloso com o próprio Mário de Andrade — e também com Rosa e Drummond — numa simpática “cidadinha” modernista.

Manaus Ivan


* As fotos que ilustram este artigo são de Ivan Marques

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O II ENALE – ENCONTRO NACIONAL DE LEITURAS apresenta nesta edição o tema Literatura: vereda interdisciplinar e multicultural, com o qual pretendemos discutir as relações da literatura com a educação e com outras áreas do saber, além de refletir sobre o aspecto multicultural da criação literária. Contando com a presença de pesquisadores de diferentes campos de pesquisa (história, sociologia, pedagogia, filosofia) que se valem da literatura em seus estudos, o encontro se dedicará a problematizar aspectos ligados à criação e à crítica literária: seus limites (se existem), seus procedimentos e suas possibilidades. Além da questão interdisciplinar, o evento também abordará os aspectos multiculturais que envolvem a representação literária, procurando debater a seguinte questão: que serviço a literatura pode prestar na compreensão da alteridade? Trata-se de um problema fundamental numa sociedade democrática e multicultural como a brasileira. O II ENALE também prestará uma homenagem a Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, por entender que esta obra fundamental da literatura brasileira sintetiza o entrecruzar de vários campos do conhecimento – do popular ao erudito ou vice-versa – e uma procura de entendimento dos diversos elementos formadores da identidade nacional, em processo de travessia.